NOTA: Um caso literário que passa a narração histórica. E porque não? AH
Ivan Ilitch, o segundo filho de Iliá Tefúnovitch Golvin, desde a infância sentia-se atraído pelas pessoas que ocupavam posição elevada na sociedade; “tal como as mariposas pela luz”... Tentava forçar relações amistosas com elas.
Na vida académica praticou algumas ações que suscitavam nele repugnância por si mesmo; mas ao verificar mais tarde que pessoas de alto nível social, também as praticavam, embora não as considerasse como boas, esqueceu-as quase por completo.
Tirou o grau de advogado e, vestido e calçado pelas melhores lojas, seguiu para a província, para exercer um cargo em comissão, requisitado pelo governador graças ao empenho do pai. Na província, conseguiu desde logo uma situação fácil e agradável como havia obtido na faculdade. Desempenhava as missões com exatidão e honestidade, considerando-se orgulhoso. Fora das suas funções, era brincalhão, espirituoso e “bon enfant”; como costumava dizer o governador e sua esposa, era considerado como pessoa de família.
Teve na província uma ligação com uma dama local que se atirara aos braços e um breve caso com uma modista. Mais tarde conheceu sua futura esposa, Praskóvia Fiódorovna Michel, a moça mais atraente, mais inteligente e vivaz do círculo que Ivan Ilitch frequentava. Era então Juiz. Namorou e casou com Praskóvia Fiódorovna, movido por suas próprias razões. O casamento proporcionava-lhe particular satisfação e era visto como uma boa solução pelos amigos mais altamente colocados. Porém, aos primeiros meses de gravidez de Praskóvia, algo novo, desagradável, penoso e inconveniente aconteceu de modo inesperado e sem jeito de ser evitado: a esposa tornou-se muito ciumenta, mesquinha, com cenas grosseiras por dá cá aquela palha; foi sempre piorando e, menos de um ano após o casamento, Ivan Ilitch chegou à conclusão de que a convivência familiar era complexa e difícil. Nasceram mais filhos e a mulher foi ficando cada dia mais impertinente e irascível.
Depois de sete anos, foi removido para outra província como promotor, mas o dinheiro começou a faltar e Praskóvia não gostava da cidade; o custo da vida era mais elevado, além disso perderam dois filhos, o ambiente íntimo ficou ainda mais desagradável. Praskóvia culpava o marido por todos os transtornos ocorridos na nova residência. Assim passou Ivan Ilitch dezassete anos de casado. Já era há muito tempo procurador; contava que lhe fosse oferecido o cargo de Juiz-presidente numa cidade universitária, mas um colega, Hoppe, não se sabe como passou à sua frente e obteve o lugar. Isto foi em 1880, o pior ano da vida de Ivan Ilitch.
Revoltado, tenta por cunhas conseguir nova e mais rica situação, o que conseguiu. De novo no ministério de justiça, decora a casa para receber a família, bate na tranca da porta e inicia o processo que o leva a morte.
Lurdes Martins