NA MINHA ALDEIA

A vida no Ripanso

Passados estes 76 anos, tenho hoje a sensação de que os da minha geração rural foram uns privilegiados. Os que vivem em ambientes urbanos nada percebem de “ingrícula”, como se dizia noutros tempos. É verdade que podem experimentar como se vive no campo passando lá uns tempos, o que o turismo rural está a facilitar e ainda bem! Mas nada se compara com os meus tempos de criança. Hoje, com lavoura mecanizada, com irrigação a chegar a toda a parte, com máquinas que quase dispensam o esforço físico, embora não o trabalho inteligente do homem, com as mil máquinas e utensílios que enchem as nossas cozinhas, com água canalizada, tudo é muito diferente. Nós passámos por várias formas de cozinhar, de iluminar as casas e mesmo de conforto domiciliário, como direi mais à frente. Até nisto sou privilegiado pelas muitas experiências que vivi.

No Ripanso, a vida decorria com toda a normalidade. Uma pequena aldeia beirã de umas 100 pessoas, à volta de 25 famílias. Cada qual tinha as suas terras, onde passava a maior parte do tempo, pois era lá que se ia buscar quase todo o sustento da casa. Não havia lojas para fazer compras, não havia talho para ir buscar carne, não havia taberna para os homens se distraírem. O peixe chegava uma vez por semana, sardinhas, carapaus e chicharros, que a Ti Joaquina trazia num cesto sem hora marcada. Dependia da sua disposição, pois o vinho às vezes não deixava, era forte demais para a largar…

Durante a semana, não se ia à vila. Trabalhava-se. Só as crianças calcorreavam aquele quilómetro e meio para irem à escola. No domingo, sim, toda a gente se deslocava até à Sobreira. Iam à missa, às compras, distraiam-se nas tabernas, mais os homens que as mulheres, pois a estas não ficava bem frequentar locais de vício!

 As relações entre as pessoas eram marcadas pela boa convivência, respeito mútuo, sem inveja nem competição. Usando linguagem do tempo, «as pessoas não se metiam na vida dos outros». Mas ajudavam-se mutuamente, sobretudo nos trabalhos agrícolas, quando a colheita da azeitona ou a ceifa exigiam mais braços. Nesses momentos, organizavam-se pequenos ranchos e toca a trabalhar, hoje na minha propriedade e para a semana na tua. Ainda me chegam aos ouvidos os toques do búzio a chamar as pessoas. O mesmo búzio convidava a gente para a reza do terço no mês de Maio, em casa da Ti Luísa.                 E aqueles serões a descamisar o milho nas casas dos vizinhos, com anedotas, canto e muitos ditos alegres, eram momentos de franco convívio, aproveitados para os primeiros beijos. Quando extraordinariamente aparecia uma espiga avermelhada lá ia o sortudo beijar quem mais queria. (CONTINUA)

NOTA: Na aula, uma aluna, a Manuela Marques, acrescentou uma quadra muito interessante que se usava na sua terra a propósito destas espigas vermelhas:

Minha espiga vermelhinha 

Criada no meu jardim! 

Se lhe pedir um beijinho 

A menina diz-me sim?

António Henriques