Acabo de ler o livro do meu amigo João Pires Antunes, intitulado “Tradição e Paisagem – Penha Garcia”, edição de autor de outubro de 2021.
Conheço razoavelmente o João por leitura de textos anteriores e, por isso, sabia à partida o estilo de escrita, a visão geral sobre o mundo e mesmo o seu envolvimento pessoal nas boas causas. E depois desta leitura, que vou dizer?
Fiquei agradavelmente surpreendido com os seus largos conhecimentos sobre a tradição e ainda mais sobre a paisagem de Penha Garcia. Ao reconstituir os modos de vida no seu tempo de criança, as vivências familiares que ele descreve como “narrador participante” (assim se dizia há uns anos atrás!), numa linguagem original, usando termos regionalistas, ele não fala de cor… Os trabalhos agrícolas, a ocupação do tempo de uma família, que vive da terra e dela extrai o sustento numa luta sem fim, são memórias vivas do autor. Como tu sabes tanto de lavoura! Falas das estações do ano e relacionas cada uma delas com os variados ciclos agrícolas – sementeiras, mondas, apanha da azeitona, o forno… Eu transportei-me para a minha meninice… E imaginei-me na tua casa simples, com o asado na cantareira e o copo de latão emborcado para se beber água! Ou a família à volta da mesa com a colher na mão a tirar o alimento do barranhão. Também na minha casa não havia pratos em 1945…
Depois, o João enche de vida o ambiente, trazendo para o dia a dia os animais domésticos, a Navarra, a égua Safira ou a gata Xica, para já não falar dos que enriquecem a alimentação – galinhas, coelhos, aves… E fala dos cheiros!
Impressionou-me a quantidade de nomes de ervas que foste buscar para dar sabor, ou o sem-número de animais que povoam aqueles campos, ou ainda a imensidão de aves que enchem os ares e que tu sabes escutar, num sentir irmanado com a natureza, cujo silêncio te enche de emoção poética – “retiros de prazeres puros” (p. 107).
Sobre a paisagem, se o autor privilegia a sua Manga do Gabão – “o meu berço” (108), ele sabe olhar para o longe e apreciar cada recanto. Se se delicia com os “campos policromáticos” (36), ele tem razões: «A paisagem…parecia outra, pois a policromia matizada do matagal em flor, onde sobressaíam as papoilas brancas das estevas, a urze rosada e rasteira, a giesta com os seus cachos de flor amarela e ainda o tojo florido e agressivo, contribuíam para esta paisagem distinta» (80/81).
E se o enlevo é muito – “é um deleite para os nossos olhos e um lavar da alma” (100), lá onde “a vida rebenta por todos os sítios” (36) -, também se entristece ao ver o “arvoredo que cresce desgovernado” (108), “terras que mais parecem selvagens, entregues a si próprias” (94). Faltam as famílias de outros tempos, que arroteiem e domestiquem os campos. Por isso, até os javalis «já perderam a vergonha» (92) (rica personificação!). Num grito de alma, clama: «aguardamos serenamente por mentes iluminadas que encontrem soluções que minimizem este drama. Porque a desertificação avança»… (115) E parece que nem o grande amendoal a plantar nos concelhos de Fundão e Idanha-a-Nova o deixam repousado (124), mas ele sabe que acabou o trabalho braçal e só as máquinas podem amanhar aquelas terras para novas culturas. Oxalá!
Só mais duas considerações:
1 – Noto às vezes que o texto se apresenta um pouco a saber a linguagem oral e com discordâncias entre elementos ou algumas vírgulas em lugares que eu acho errados. Talvez seja exigente!
Ex.: -“Grande variedade são utilizadas em chás e tisanas”(52); – “as noites escureciam como breu que arrepiavam os mais afoitos” (18) seria melhor dizer: “as noites escureciam como breu e arrepiavam os mais afoitos” ou “as noites escureciam como breu que arrepiava os mais afoitos”; – “Penha Garcia … sabe bem receber as visitas” devia ser “Penha Garcia … sabe receber bem as visitas”.
2 – Os regionalismos são ricos em palavras com sentidos muito próprios, que escapam ao comum dos leitores. Deixo uma lista do livro para os leitores se entreterem: malhadas (9), cinchos (13), relheiros (15), furda (15), surripanços (17), barranhão (18), gorroal (85), brama (93), acarrar (117).
Parabéns, João! Escreve, que te dá vida… E nós aprendemos e deleitamo-nos!
António Henriques