Camões e direitos de autor


Não são recentes os direitos de autor, que correspondem aos direitos de propriedade intelectual dos criadores literários e outros.
Chegou-me ao correio eletrónico a primeira edição de “Os Lusíadas”, de 1572, que serviu de tema de conversa na última aula da “Oficina de Português”, para fruição dos alunos.
Vimos como era a ortografia da época (Camões também se zangaria com as alterações havidas desde então, batendo o pé às mudanças?) e soubemos das exigências do tempo quanto à publicação de uma obra, coisa bem diferente de hoje… E é disto que vamos falar.
Em primeiro lugar, é necessária uma licença real para a obra ser impressa. E Camões foi um privilegiado, pois El-Rei D. Sebastião permitiu a impressão de “Os Lusíadas” na condição de durante dez anos ficar com todos os direitos de autor, não podendo ninguém imprimir ou vender ou trazer de fora obra igual sem licença do autor.
Curiosamente, este Alvará real ficava impresso na primeira página do livro e acrescentava um dado curioso: quem optasse por fazer impressão clandestina e fosse denunciado, perdia todos os livros, metade a favor de Luís de Camões e a outra metade para o denunciante, obrigando-se ainda a pagar 50 cruzados. E estamos nós a discutir o célebre Art.º 13 da União Europeia, por acharmos que vamos perder a liberdade de usar tanta informação que há na Internet!
Depois, na continuação dos preceitos do Alvará, vem a obrigação de sujeitar o texto ao rigoroso crivo da Inquisição.
O juiz não encontra no livro «coisa alguma escandalosa, contrária à fé e bons costumes», mas adverte que a referência aos deuses dos gentios pelo autor é só para encarecer as dificuldades da navegação e apenas serve para ornar o estilo com poesia e fingimento. Se Camões falasse de deuses reais, o livro não seria «digno de se imprimir»! Assim era no tempo…
António Henriques

Alvará de licença (excerto)

Licença do Santo Ofício (excerto)

Alvará de licença (português atual)

Eu, el-Rei (D. Sebastião) faço saber aos que este Alvará virem que eu hei por bem e me apraz dar licença a Luís de Camões para que possa fazer imprimir nesta cidade de Lisboa uma obra em oitava rima chamada Os Lusíadas que contém dez cantos perfeitos, na qual por ordem poética em versos se declaram os principais feitos dos Portugueses nas partes da Índia depois que se descobriu a navegação para elas por mandado de El-rei D. Manuel, meu bisavô, que santa glória haja, e isto com privilégio para que no tempo de dez anos, que (se) começarão a partir do dia que se a dita obra acabar de imprimir em diante, se não possa imprimir nem vender em meus reinos e senhorios nem trazer a eles de fora, nem levar às ditas partes da Índia para se vender sem licença do dito Luís de Camões ou da pessoa que para isso seu poder tiver, sob pena de quem o contrário fizer pagar  cinquenta cruzados e perder os volumes que imprimir, ou vender, metade para o dito Luís de Camões e a outra metade para quem os acusar. E antes de se a dita obra vender lhe será posto o preço na mesa do despacho dos meus Desembargadores do Paço, o qual se declarará e porá impresso na primeira folha da dita obra para ser a todos notório, e antes de se imprimir será vista e examinada na mesa do conselho geral do santo ofício da Inquisição para com sua licença se haver de imprimir, e se o dito Luís de Camões tiver acrescentados mais alguns cantos, também se imprimirão havendo para isso licença do santo ofício, como acima é dito. E este meu Alvará se imprimirá outrossim no princípio da dita obra, o qual hei por bem que valha e tenha força e vigor como se fosse carta feita em meu nome por mim assinada e passada por minha Chancelaria sem embargo da Ordenação do segundo livro, tít. XX. que diz que as coisas cujo efeito houver de durar mais que um ano passem para cartas, e passando por Alvarás não valham.

Gaspar de Seixas o fiz em Lisboa a 23 de setembro de 1571. Jorge da Costa o fiz escrever.

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