Histórias de Juventude

Num velho palácio arruinado à Rua do Esquível é que funcionava a Escola do Magistério de Beja.

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Naquele velho palácio, havia uma cave ampla onde os rapazes passavam os intervalos. Nós, as meninas, passávamo-los no 1º andar, como era apanágio do sistema educativo vigente… Sinais dos tempos e das mentalidades.

O João, que vinha do Penedo Gordo, aldeia não muito longe de Beja, chegou à cave e, um pouco apreensivo, começou a ouvir forte discussão entre o Guerreiro e o Raposo.

– Malandro, grande patife, não tinhas nada que me roubar a namorada. Atraiçoar um amigo de longa data desta maneira!…

João, um rapaz extremamente pacífico e correcto, intervém:

– Tenham calma rapazes, vocês são amigos, o problema resolve-se….

Nisto, o Guerreiro saca de uma pistola, dá um tiro e o Raposo cai redondo no chão. João, branco, trémulo, em pânico, ainda consegue proferir:

– Olha, por causa dum namoro matou o moço…

Eis senão quando se ouvem em uníssono duas sonoras gargalhadas. O “agressor” e o “morto “riam a bandeiras despregadas. A pistola era de alarme e quiseram pregar uma partida ao João, que era um rapaz de muito bom carácter e um pouco ingénuo.

Quero aqui frisar que os outros dois eram igualmente excelentes jovens e tiveram uma carreira brilhante. O Raposo, pessoa amante de literatura, de Ferreira do Alentejo, estabelecia a ponte entre mim e Afonso Cautela, grande escritor alentejano. Este, para nossa tristeza, já não se encontra entre nós. O Guerreiro, hoje com 82 anos, e o João, mais novo, fizeram as delícias do almoço dos 50 anos do curso a contar as peripécias que aconteciam na cave, onde houve também uma vez um baptismo ao islamismo a partir de um balde de cerveja.

Parece que as reminiscências ancestrais da cave de um palácio antigo despertavam a imaginação destes amigos. O António foi muitos anos presidente da Câmara Municipal de Aljustrel e o João foi um excelente professor e continua a ser uma pessoa realizada.

Para os tempos que correm, estes jovens eram alunos cumpridores, respeitáveis e muito educados.

Maria Vitória Afonso

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