As minhas leituras

A vida traz-nos surpresas de vez em quando. Um simples aniversário de pessoa amiga levou-me há tempos a conviver com alguém desconhecido, de conversa fácil e interesses comuns, nomeadamente o gosto pela leitura. Mal sabia eu que dessa conversa me chegaria a casa um livro desse novo amigo, que eu prometi ler e analisar. E aqui estou eu a cumprir a promessa!
Intitula-se “PERIPÉCIAS PROFISSIONAIS” e o seu autor é o Sr. António Pataca, de Almada, que já antes publicara outro livro do mesmo jaez.
O autor, já aposentado, faz uma visitação ao seu longo tempo de trabalho em companhias de seguro, especialmente na “Fidelidade”, passando de paquete a praticante, aspirante, escriturário, coordenador-adjunto de secção, coordenador de secção, chefe de serviços e diretor de serviços! (p. 108) E mais surpreendente ainda, começa a trabalhar aos 12 anos, pouco tempo após a quarta classe… Os pais saem de Serpa para Lisboa em busca de vida melhor, mas nem assim ela melhora e todos têm de trabalhar para ajudar a família.
Com uma memória bem fértil, o autor conta com graça episódios da sua vida familiar e profissional, com pais a educá-lo «para que eu viesse a ser, no futuro, um cidadão respeitador e obediente» (p. 2) e a mãe a fazer-lhe um par de calças num dia para, no dia seguinte, não se apresentar de calções no serviço! Da Cova da Piedade ia a pé para Cacilhas se o dinheiro não chegava, tomava o barco para Lisboa e, de tarde, regressava para frequentar a Escola Comercial Emídio Navarro à noite. Mas a passagem pelas várias secções técnicas da seguradora fê-lo aprender muito e «fico a dever essa aprendizagem aos meus colegas escriturários… o que fez de mim um futuro funcionário… como profissional de seguros competente». (8)

1 – O LIVRO
Como objeto físico, o livro não é agradável. A mancha gráfica é pesada, sem espaços brancos e margens muito estreitas. Vá lá, salvam-se os parágrafos para aliviar um pouco as páginas… Depois, não há capítulos, divisões do livro por temas… Trata-se de um relato contínuo, passando de episódio para episódio com uma simples referência a qualquer ideia a propósito…

2 – A LINGUAGEM
É na linguagem que eu vejo a maior riqueza deste livro. Mesmo próxima da oralidade, com expressões populares frequentes, o autor descreve ambientes ou narra episódios com muita propriedade, criando empatia com o leitor. Querem exemplos? «Foi uma viagem do caraças, que não voltou a acontecer com copos pelo meio…» (44) «Que grande sacana este “velho” me saiu!! Com esta eu não contava!» (82) «Estou a acabar de contar um caso, com uma certa gravidade e já me lembro de outro, este, ocorreu muito antes do anterior mas, diga-se, teve a sua piada, senão vejamos.» (53) (erros de pontuação!?)
Sobretudo, não dispenso um texto maior onde o homem e o escritor se juntam para denunciar situações desumanas. Podem ler aqui.

3 – A PROFISSÃO
Não é fácil ser funcionário de uma companhia de seguros, sobretudo quando os acidentes são graves e em jogo está a saúde e mesmo a vida das pessoas lesadas. Todos sabemos o tempo que demora qualquer causa que inclua advogados e tribunais. Pois foi o nosso amigo «… que deu o primeiro passo na criação deste tipo de trabalho externo, permitindo, sem recurso aos tribunais, a solução dos processos graves de acidentes de viação.» (66)
Gerir e liquidar os processos de sinistros do ramo automóvel com “danos corporais graves” era a profissão do autor. Relacionar-se diretamente com os lesados ou seus advogados e com as oficinas era o seu dia a dia. E pelos vistos deu-se bem. Muita consideração e muito agradecimento recebeu por, com a sua humanidade, bom senso e sentido de justiça, solucionar os problemas a contento dos implicados e muitas vezes sem recurso a advogados ou tribunais. Há casos em que nós vemos que a escola não resolve tudo e as pessoas, com a experiência dos companheiros do trabalho e com a aprendizagem diária, melhor sabem ultrapassar as dificuldades. Nas suas palavras, «…conhecer as pessoas, resolver os seus problemas e, mais tarde, voltar a cumprimentá-las, sabendo que me admiram, é muito gratificante para mim.» (65)

4 – O PASSADO NO PRESENTE
Escrever sobre o nosso passado não é só um exercício literário de quem tem muito tempo livre. Ao rememorar as “peripécias profissionais”, estamos também a alimentar o nosso ego, a valorizar os nossos dias, quando eles estão vazios de novidade. Serve ainda o nosso passado para cimentar convicções e valores, os que nos anos anteriores nos fizeram sofrer e lutar para o mundo ficar mais humano.
Li com agrado os muitos casos em que o sr. António Pataca usou da sua mestria para satisfazer os lesados e a própria companhia, onde ele era considerado “insubstituível” (153). Obrigado pelo seu livro!

5 – CORREÇÕES
Quando não somos peritos num tema, ou recorremos aos peritos ou arriscamos falhar. A nível ortográfico, notam-se falhas que o corretor ortográfico do computador não resolve, sobretudo quando as duas formas verbais existem e temos de ser nós a optar. Assim, por exemplo:
– por – pôr (3)
– percebes-te – percebeste (9)
– aproveitas-te – aproveitaste (31)
– dialogo – diálogo (41 e outras)
– autentico – autêntico (85)
– hadoc – ad hoc (100)
– conselho – concelho (103)

António Henriques

2 comentários em “As minhas leituras”

  1. Relembrar vivências da vida e escrever essa mesma história é voltar a ler o diário que está muito bem guardado na memória. Boa descrição e análise de quem sabe transmitir a positividade da escrita humana, trazendo uma reflexão ao leitor as peripécias da vida. Um abraço!

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