O P. António Vieira e os índios do Brasil

Não obstante tenha nascido em Lisboa em 1608, o grande pregador chegou ao Brasil com seis anos de idade, ali adquiriu a formação intelectual (padre jesuíta), voltando a Portugal já com trinta e três anos, justamente logo a seguir à restauração de Portugal de 1640. Prestou várias diligências ao serviço de D. João IV, foi vítima de invejas e incompreensões que lhe valeram os conhecidos conflitos com a Inquisição, inclusive a humilhação do cárcere entre 1665 e 1667. Em 1681, achando que o seu apostolado era mais útil no Brasil, pediu para regressar definitivamente, tendo morrido na Bahia em 18 de Julho de 1697.
Deixou-nos uma obra monumental (sermões e cartas), em boa parte dedicada à defesa dos índios contra a avidez dos colonos e, neste sentido, é conhecidíssimo o Sermão de Santo António aos Peixes, pregado na cidade de S. Luís do Maranhão em 1654, no qual, através da alegoria, denunciava a perseguição movida contra os índios, muitas vezes reduzidos à condição de escravos, contrariando as normas do poder central, que confiava só aos jesuítas a tarefa de dirigir as expedições ao interior do sertão e de conduzir os índios para a fé de Cristo.
Menos divulgado é o Sermão da primeira dominga da Quaresma, conhecido como o “Sermão dos Escravos” e pregado na igreja de S. Luís do Maranhão em 2 de Março de 1653. Destinava-se a persuadir os colonos revoltosos contra a justa lei que considerava os índios seres livres; e assim como a liturgia do primeiro domingo da Quaresma recorda as três tentações suportadas por Cristo por parte do demónio, Vieira escolhe a terceira tentação como conceito a desenvolver. O jesuíta procura convencer os colonos de Maranhão, desenvolvendo os conceitos de tentação/graça, bem/mal, pecado/virtude. Recita o sermão: «A que diferente preço compra hoje o demónio as almas (…) Oh que feira tão barata!».
Exemplar é também o famoso (e actualíssimo) Sermão do Bom Ladrão, pregado na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, mas com a declaração explícita, feita pelo orador, de que a matéria do sermão tinha mais a ver com o palácio e com a Capela Real, isto é, devia atingir outro tipo de público. Este sermão constitui um texto notável pela argúcia do orador ao usar como ponto de partida a conjugação do verbo latino “rapio”, quer dizer, “tomar à força”, “roubar”, “pilhar”, retomando a opinião de S. Francisco Xavier, o qual se tinha pronunciado sobre as coisas da Índia: «conjugam o verbo rapio por todos os modos». Eis alguns fragmentos do sermão: «Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo (…)Furtam pelo modo imperativo (…) Furtam pelo modo mandativo (…) Finalmente, nos mesmos tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plusquam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse».
Mestre da oratória sagrada, a escrita do Padre António Vieira haveria de inspirar o poeta Fernando Pessoa, o qual, no seu livro Mensagem, lhe dedica um poema e onde o considera “imperador da língua portuguesa”.

José André Fernandes

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