BEM DIFERENTE ERA A VIDA

NOTA: Redigir as informações colhidas na aula após uma longa conversa é um exercício bem aliciante. Foi com gosto que este texto apareceu. A conversa andou à volta de um aluno, o Amadeu Afonso. O resto foi passar a escrita a muita informação recolhida. AH

Olhar para a minha história é um exercício interessante. Dá para ter as visões mais variadas, sobretudo se a for dividindo em fases de acordo com os locais por onde fui gastando os meus dias.

A meninice, a adolescência, a juventude, a ida para a tropa, os vários ofícios que exerci, sempre com acurado desvelo profissional… E até mesmo agora, que gozo de uma confortável reforma e vivo na idade dourada, como se costuma dizer, todos estes diversos momentos me enchem de alguma vaidade, pelo menos de uma alegria interior imensa por ter vivido com seriedade e sobriedade, cumprindo regras e fazendo o bem.

Começo hoje com os meus anos de menino em terras da Beira Alta. Rodeada de montes e vales, longe de grandes centros, a aldeia vivia dos campos em redor, onde cada família tinha o seu pedaço de terra, da qual recolhia o essencial para a alimentação. A minha mãe, com oito filhos a alimentar e a educar, era uma corajosa trabalhadora, quer nas lides da casa quer nos trabalhos agrícolas. O pai desdobrava-se igualmente pelos cuidados do campo, os trabalhos do rebanho e pelo moinho, em que moía os cereais para a família e os vizinhos, cobrando-lhes a respectiva maquia. Ele também tinha um tear ligado à azenha do moinho, mas eu não sei explicar como funcionava.

O trabalho era dividido por todos como tarefa familiar; por isso, não admira que eu, ainda criança, andasse pelos campos a tomar conta do rebanho. E como era gostoso o leite das cabras que mungia directamente para a boca… À noitinha, lá vinham elas obedientemente para a cabana (curral).

Nas nossas propriedades, o pai semeava sobretudo centeio, que as terras eram pouco férteis, e o milho era cultivado nas leiras que podiam ser regadas. Além dos cereais para a alimentação, o caule também era aproveitado para alimentar o gado e com a palha do centeio enchiam-se os colchões. Semeávamos também a batata e os legumes, que depois eram transplantados para espaços mais largos. Com a fruta, acontecia o mesmo. Comia-se o que as árvores davam e quando davam.

A carne era também importante, mas era fruto da auto-subsistência. Vivia-se quase sem dinheiro. Este era subsidiário e servia para comprar roupa ou ferramentas. Durante o ano, comprava-se um marreco (porquinho) e engordava-se para no tempo frio do Natal se matar, transformando-o em chouriças, morcelas e farinheiras, além do toucinho e dos presuntos que degustávamos durante o ano. A carne, uma passava pelo fumeiro e o restante conservava-se na salgadeira e também em azeite. Havia também o galinheiro, um outro abono da família, quando as raposas não o assaltavam e levavam os nossos vivos. O rebanho completava a nossa factura gastronómica, com a carne, a manteiga e o queijo, confeccionados pela mãe.

Ao contrário de outras regiões, na minha zona quase todos tinham as suas propriedades, mas, mesmo assim, podíamos distinguir três tipos de pessoas: os pobres, os remediados e os ricos, sendo estes os que davam trabalho aos outros.

Muito mais havia a dizer, mas eu não quero aborrecer os leitores com informação excessiva. O que disse permite já compreender como era bem diferente a vida de antigamente.

AH

3 comentários em “BEM DIFERENTE ERA A VIDA”

  1. Ao ler o texto revejo um pouco da minha infância, em que os afazeres, na minha aldeia, eram os mesmos!!! Recordo também a dureza dos dias, mas que deixavam algo de proveitoso…
    Bem-haja por ajudar a minha memória a evocar esses momentos.

    1. Gostei muito de ler o que escreveu, até gostaria de saber mais visto que neste momento faço uma pesquisa sobre a vida em aldeias; tem como proporcionar me mais informação?

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