Acabo de ler as 508 páginas do romance de Mário Vargas Llosa com este título, escrito em 2000. Já há muito que não me sentia tão preso à leitura, sentindo o pulsar de sentimentos contraditórios vividos pelas personagens.
Neste livro, o autor volta à trama histórica das ditaduras sul-americanas que percorreram vários estados e ainda hoje oprimem os povos. Neste caso, relata com um realismo assustador os 30 anos da ditadura do general Trujillo (apelidado de “Chibo”), que subjugou os três milhões de dominicanos a viver na pobreza, ao lado dos haitianos, ainda mais pobres, e que imigravam quase como escravos para as terras do ditador.
Naturalmente, uma ditadura serve-se da vigilância sobre os cidadãos e dos serviços de milhares de colaboradores fiéis para se manter. Impressiona a facilidade com que se matam os adversários e se fazem desaparecer os corpos sem haver uma justificação. E os próprios apaniguados estão sujeitos a denúncias que podem alterar e destruir a sua relação com o poder.
Como mestre da narrativa, o autor narra episódios com uma multidão de nomes, uma precisão de eventos e uma descrição de ambientes que impressiona, num realismo próximo do histórico.
A cronologia dos factos é submetida sobretudo ao destaque que cada personagem merece, o que obriga o leitor a ser ele o organizador da narrativa. Por exemplo, o último capítulo narra um trágico encontro do ditador, que capítulos anteriores já tinham apresentado como atraiçoado por um grupo de gente próxima.
Para não levantar muito o véu, esta ditadura vai sobrevivendo com o apoio dos Estados Unidos e da hierarquia da Igreja Católica, muito críticos de tudo o que se apelidava de “comunistas”, embora no fim também sejam estas mesmas forças a criticarem e ajudarem no derrube do ditador.
As personagens vão evoluindo e mudando de comportamento segundo os seus interesses e aqueles que servem o ditador também podem ser os que vão conseguindo caminhar para uma democracia incipiente. Justiça? Muito pouca… Quantas desilusões, promessas não cumpridas e heróis martirizados… É a vida!
Confesso que há páginas de sangue e desprezo pelos direitos humanos que me impressionaram muito. Assim, a leitura pode perturbar pessoas muito sensíveis. Estou a dizer isto por impressão pessoal, pois não quis ler qualquer crítica literária que me orientasse.
Este livro deve ter influenciado bastante os responsáveis dos Prémios Nobel da Literatura, cujo galardão foi atribuído a Mário Vargas Llosa em 2010.
António Henriques