Venho de um meio rural, duma vila ribatejana e naquele tempo as condições de vida eram muito más para os trabalhadores, ainda que a mim e ao meu irmão nada do essencial nos tenha faltado, pois que os meus pais trabalharam arduamente para isso. Ele um ribatejano e ela uma alentejana que por lá apareceu e casaram. Por isso, corre esta mistura de sangue nas minhas veias.
Tenho na minha lembrança o mercado humano que acontecia às segundas-feiras, logo pela manhã, na praça principal da vila, quando ainda era adolescente. Os srs. latifundiários, no seu palanque, a dizerem aos seus abegões para contratarem as pessoas, mas ao preço que eles determinavam e os trabalhadores a terem de aceitar, pois a fome apertava. Aqueles que fossem suspeitos de não ser da situação estavam, automaticamente, excluídos. Valia-lhes depois a solidariedade dos seus companheiros de infortúnio. Este espectáculo era demasiado deprimente e a mim causava-me um sentimento de revolta, embora fosse um adolescente.
Mais tarde, já em Lisboa, participei em várias manifestações contra a ditadura vigente e, numa delas, fui parar ao Governo Civil. Depois duma noite a descansar lá, à mistura com alguns mimos daquela polícia tão meiga, lá me mandaram embora e avisaram-me que “para a próxima já sabes”.
Passados uns tempos, resolvi ir para Moçambique, onde vivi muitos anos e donde pensei nunca mais sair, pois tinha constituído família e era feliz neste meu segundo país. Mas o destino assim não quis e tive que voltar ao meu país de origem com muita tristeza, pois foi a decisão mais difícil que alguma vez tive de tomar. Durante a minha vivência lá, assisti a muitas injustiças praticadas por ambas as partes, pois eu conhecia os dois lados da barricada e vi coisas que, por mais que eu queira, é difícil apagar da memória.
Também minha mãe sofreu pelo outro filho que foi gravemente ferido, transportado para Lisboa e, depois duns meses internado, obsequiaram-no com o regresso outra vez para a Guiné.
Felizmente, regressou vivo, ao contrário de muitos outros que eu vi nos hospitais militares de Moçambique, que morreram ou ficaram estropiados e para quê? Todas as guerras são injustas e não há razão para existirem. No nosso caso, um país como Portugal a sustentar três frentes de combate, sabendo-se que era uma causa perdida, dar continuidade às guerras era estupidez dos nossos governantes.
Pedimos muitas vezes aos nossos dirigentes, tanto os naturais como os residentes, que se acabasse com essa guerra, mas, infelizmente, nunca fomos ouvidos, pois outros interesses se levantavam.
E assim, a independência chegou, mas a população ainda hoje continua à procura dum país melhor.
Olá Alberto,
Muito obrigado pela a tua contribuição no nosso bloque ! Reli o teu texto e o teu relatório mostra a tua história muito bem da tua vida vivida até agora. Para nós todos a vida traz experiências boas e màs que trazemos connosco. Com estas memórias tornamo-nos cada vez seres humanos mais ricos e completos. Obrigado por dividir a tua história connosco com tanta franqueza e honestidade. Agora conhecmos-te melhor !