A minha provecta idade faz-me recordar com frequência episódios do passado, pessoais e não só, mas geralmente felizes.
Nasci no seio de uma família bem estruturada e fui a última de cinco filhos. Apareci de surpresa, sem ser esperada e, por essa razão, muito mimada, alvo de muitas atenções e super-protegida por uma empregada da casa que me viu nascer e não mais me perdeu de vista.
Passo a lembrar e a escrever aqui alguns desses episódios da minha infância e meninice, mais ou menos divertidos.
Quando da substituição dos dentes de leite, se um levava mais tempo a cair, a minha mãe usava uma técnica artesanal para vencer o meu medo: atava ao dente a ponta de uma linha comprida e a outra ponta à maçaneta de uma porta, que alguém sorrateiramente fechava com força do outro lado da sala e o dente, consequentemente, era arrancado.
Se me doía a garganta, para prevenir complicações, a mãe aplicava uma zaragatoa e era um drama ainda maior. Se a menina não tinha vontade de fazer chichi, lá vinha o abominável chá de barbas de milho; se os intestinos não trabalhavam, uma colher de parafina resolvia o problema; se estava nervosa e não queria ir à escola com medo da professora, que era malvada, um pouco de água de flor de laranjeira era o ideal; se me doía a cabeça, rodelas de batata crua na testa eram eficazes.
Já mais tarde, quando a menina menstruou, todo o cuidado era pouco, pois não podia comer sardinha ou azeitona; estava pálida, precisava de óleo de fígado de bacalhau e a lista de cuidados excessivos terminava com a Tita, a empregada a fazer uma reza com azeite quente para afastar maus olhados.
Alternava com tudo isto o sarampo, a varicela, a papeira e a hepatite!
Os anos foram passando e a menina aos poucos foi-se libertando; começaram a aparecer resquícios de rebeldia e, já próximo dos doze anos, no liceu, a menina, num dia frio de outono, resolveu sair sem guarda-costas. Um escândalo! A mãe, aflita, chorava…
A menina disse: vou apanhar uma barrigada de tremoços e amendoins, vou apanhar frio, chuva, vento, granizo, trovoada e. se mesmo assim não morrer, prometo que vou voltar!
Maria Irene Veiga