O acordo ortográfico nasceu de uma necessidade, sentida por muitos, de prestigiar a língua no contexto internacional. Ninguém via com bons olhos a existência de duas variantes ortográficas do português, quer nas instâncias internacionais, quer a nível de traduções e ainda no uso da língua entre povos que a falam.
Quer isto dizer que o AO é uma decisão política assumida pelos oito países de expressão portuguesa, que assim quiseram construir a unidade possível (que não a unicidade…) a nível ortográfico, o único que pode ser objeto de regulamentação. Sim, quem pode mexer na oralidade? Aí manda o costume…
A ortografia é sempre resultado de uma convenção entre os falantes, obedecendo a um critério fonológico (representação gráfica de sons: fonemas – grafemas) e depois também a critérios etimológicos. Pela via fonológica, as letras são símbolos gráficos que querem representar a fala. Já por aí a coisa não deixa de ser ambígua, uma vez que se estabeleceu, por exemplo, que o grafema “ch” vale tanto como o “x”. A nível fonológico, tanto se pode escrever “chá” como “xá”… Acontece ainda que o mesmo grafema representa vários sons. Olhem o som diferente do “X” nas palavras existir, excursão, toxina, enxame (=z, s, ks,x).
Depois, a etimologia vem dar uma ajuda, como «Parte da Gramática que trata da origem e formação das palavras» (in Dicionário Priberam). Muitas letras encontram-se nas palavras apenas devido à sua etimologia. Como o português é maioritariamente originário do latim, a evolução das palavras obedece muito à história do próprio latim, língua falada no império romano, que depois se desfaz e a língua submete-se às circunstâncias e características particulares de cada povo, evoluindo de modo diferente de lugar para lugar…
Por curiosidade, já no acordo de 1911 se diz: « É conservado o h inicial, quando a etimologia o justifique, como em homem, humano, honra, hoje; mas abolido onde é erróneo, como em hontem, hir, hombro, que se escreverão ontem, ir, ombro.»
No entanto, o mesmo acordo conserva letras que hoje consideramos bem esquisitas, como “ scena, sciência, scetro, scéptico, scisma, scisão, sciático, scintilar, scelerado”, alegando razões de etimologia…
Em conclusão, é mesmo difícil traduzir numa única ortografia todos os sons, até porque as pronúncias variam muito de norte a sul de um país e mais ainda de país para país. E cito do “Portal da língua portuguesa”: «Analisando sucintamente o conteúdo dos Acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que eles visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.»
«A inviabilização prática de tais soluções leva-nos à conclusão de que não é possível unificar por via administrativa divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa.»
Para terminar este apontamento, digo que temos de ser humildes para olharmos para tantos problemas suscitados pela língua.
António Henriques