Isto passou-se no Facebook:
Numa crítica contundente a Pedro Passos Coelho (só PPC, como se toda a gente fosse obrigada a compreender a sigla), escreve-se:
«É desejo dos portugueses que tão causticados foram pela política austericida do anterior governo saber por que motivo, em 4 anos, deixaram escapulir para off-shores 16 mil milhões…»
Sem me imiscuir na política, em que sempre há duas verdades para os mesmos factos, eu quis pegar no erro semântico e corrigi-lo. Eis o diálogo que se segue:
António Henriques: Política austericida não quer dizer que mata a austeridade?
Resposta: – Caríssimo amigo António, este termo é um neologismo que resulta da contracção de “austeridade+suicida”. Com efeito, a realidade demonstrou que tal política fez contrair a economia o que equivaleu a um suicídio para a mesma. Abraço.
António Henriques: – Se parricida é quem mata o pai, austericida é quem mata a austeridade. E o amigo quer dizer o contrário. Por isso, devia ter usado o adjectivo austeritário.
Resposta: – Não deixo de concordar com o meu amigo. Repare, porém, que parricida e parricídio são termos que sempre existiram. Austericida é um neologismo.
NOTA 1: Passo por cima da versão “austeridade+suicida”, referida pelo amigo, que na verdade é austero+cida!
No Dicionário Priberam, o sufixo cida é assim definido:
“-cida
(sufixo latino -cida, do latim caedo, -ere, cortar, deitar abaixo)
elemento de composição
Exprime a noção de agente que provoca a morte ou o extermínio (ex.: bactericida).”
Este sufixo, como é fácil de ver, tem apenas um significado. Há outros sufixos e prefixos que apresentam vários significados, mas este, não.
Por isso, use-se em palavras velhinhas ou em neologismos, cida serve sempre para introduzir morte ou extermínio a qualquer ser ou coisa. Até posso dizer que o primeiro elemento das 221 palavras que, no Dicionário, terminam em cida é semanticamente um radical substantivado, tipo complemento directo do verbo caedo (em latim): bactericida = que mata bactérias, fungicida = que mata fungos, etc…
Assim, se usamos a palavra austericida, dizemos que mata a austeridade, concedo com dificuldade! É que eu não entendo como o sufixo cida se pode juntar a um adjectivo (austero); supostamente, em bom português, a única solução seria dizer austeridadecida ou austeridacida!!!
A minha proposta para o caso apresentado no Facebook era usar a palavra «austeritário», em que o sufixo “ário” serve para formar um adjectivo derivado de um substantivo (austeritas em latim)+sufixo “ário”:
Ex.s : Comunidade – comunitário; identidade – identitário; austeridade – austeritário
CONCLUSÃO: Política austericida? Como se pode dizer que Pedro Passos Coelho praticou uma política que matou a austeridade? Errado!
Você não queria dizer isso? Então aceite que Pedro Passos Coelho usou uma política austeritária.
NOTA 2: O adjectivo “austeritário” não consta do dicionário, mas é um verdadeiro neologismo politicamente significativo; agora, austericida é um neologismo com construção totalmente errada.
ASSIM SE ESCREVE EM BOM PORTUGUÊS…
Adorei cada definição! Só os amantes da lingua portuguesa entenderão…
E bem me custou defender a tese. Naquele tempo, era ser do contra politicamente falando…